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SUPERFÍCIE DE AZUL PROFUNDO

Músicos de Fiji revelam que as ilhas na Oceania são remotas apenas para quem não as conhece.


Por FELIPE VIVEIROS*


O mundo é testemunha de que ele não existe sem música. A América Latina ditou o ritmo no samba, na salsa e na rumba. A África inovou ao conectar toda sua diáspora com o gênero afrobeat, unindo os diversos continentes de influência africana em um só. O Caribe nos enfeitiçou com a música calipso, seus tambores de aço e a filosofia do reggae. A música clássica, de origem europeia, abraçou instrumentos de diferentes países e teceu, em ritmos e melodias complexas, as influências nos estilos mais populares do Planeta. Culturalmente remota para muitos, a Oceania não foi diferente.


Seus países-ilhas deram ao mundo uma rica mistura de estilos com folclore nativo, boy bands que transitam entre a Melanésia e a Polinésia e grupos musicais que trazem a renovação das tradições, a indisciplina na autodisciplina e o respeito próprio... pelo outro. Esse é o cenário musical de um dos países mais vibrantes países do Pacífico: Fiji.


Terra de talentos, Fiji viu nascer sua cantora mais conhecida no cenário internacional, Laisa Vulakoro. Ícone em eventos nacionais, a artista ilumina o palco com sua voz, é uma profissional da música “ao vivo”. Nativa da sossegada ilha de Yacata, Vulakoro incorpora uma nada sossegada mescla entre música tradicional de Fiji, R&B, jazz e rock. Celebridade diplomata de voz livre, seu conteúdo político não está apenas nas letras de suas canções.


foto: divulgação


A fijiana condenou o infame golpe militar que depôs o governo eleito de Laisenia Qarase, em dezembro de 2006. Após escrever uma carta aberta de repúdio, membros das Forças Militares invadiram e revistaram sua casa. A artista foi levada para um interrogatório e advertida para não falar contra o governo. Em momento algum “a Rainha de Fiji” pensou em se calar. A cantora é livre como a brisa do Pacífico e, desde o início de sua carreira, está sempre compondo novas músicas. A lista de sucessos da diva oceânica vai desde seu maior hit Na Jule Ni Hanahana até os mais recentes singles como Bitu Kavoro. A cantora combina habilidade e identidade para escrever músicas em iTaukei, idioma com o qual os fijianos se identificam facilmente.


Os humanos vivem nas Fiji desde o segundo milênio a.C.. Os europeus – com alguns milênios de atraso – chegaram no século 17. O território funcionou como uma colônia britânica até 1970, quando conquistou a independência. A língua dos colonizadores continua sendo utilizada nos atos de governo, nos negócios e na educação. Hoje, a nação soberana de Fiji tem três idiomas oficiais: Inglês, iTaukei e Hindi. A língua iTaukei, de origem melanésia, é falada como primeira ou segunda língua pela maioria dos 890.000 fijianos. iTaukei é também a língua franca da música, usada cada vez mais em composições sobre a vida do país, seja no folclore tradicional ou no pop. O grupo Voqa Ni Delai Dokidoki traz a harmonia entre os dois.


foto: divulgação


O conjunto é responsável pelo surgimento das boy bands em idioma iTaukei. Sim! O fenômeno das boy bands não está reduzido ao que conhecemos como Backstreet Boys e *NSYNC. O grupo transcendeu o cenário musical nos anos 1980 e consolidou o gênero nas ilhas como uma referência para outros grupos musicais. Kitione Vunisasari, vocalista e compositor do grupo, foi o leme da turnê musical que fez com que seus integrantes fossem conhecidos. Hoje, o membro da boy band é um menino experiente e, no auge de seus 50 anos, já escreveu mais de 150 canções. O músico embora tenha criado inúmeros sucessos, está convencido de que o melhor ainda está por vir. A icônica boy band de Fiji tomou as ondas do ar e do mar e são responsáveis pelos maiores sucessos do país, como Noqu Koronivuli, Kecisemani e Au Biuti Viti. E não foram os únicos.


Outra forma de música iTaukei, muito popular em Fiji, encontrou seu caminho no palco internacional. Conhecido como sigidrigi, o estilo é um livro do som. Seus compositores, ao estilo trovador melanésio, são inspirados por um evento ou experiência e traduzem, em contos melódicos, sua saudade e mágoa. O pôr-do-sol em Fiji só acontece se acompanhado pelo toque rítmico dos violões, na alta escala das nuvens do Pacífico Sul entrelaçada nas mágicas cordas dos ukuleles. Essa é a proposta da banda Rosiloa, o grupo mais popular de Fiji.


foto: divulgação


O nome da banda é o termo fijiano para "Rosa Negra". A rosa negra tem aroma de Fiji e jeito do Mundo. Os arranjos ocidentais e a ancestralidade melanésio-polinésia ganharam o reconhecimento e seu terceiro álbum, Voices of Nature, levou os meninos das pequenas ilhas para tocar nas arenas globais. O single Raude colocou a banda no estrelato em 2000, e a canção continua hit nos torneios World Rugby Sevens em diversos continentes. A música tradicional oceânica, os beats da música eletrônica europeia e o ritmo dançante meke deram à música fijiana um novo público. Seu último álbum, Ancient Pulse (2009), traz influências do raga indiano e, até mesmo, ritmos da nossa bossa-nova. Rosiloa é um encontro da resistência de Mahatma Gandhi com o lirismo de Vinicius de Moraes. Um dia atípico na Oceania.


Com um som criativo, a música de Fiji é um incentivo à responsabilidade individual de respeitar o conhecimento e renovar as tradições. À medida que as aspirações dos fijianos crescem, também cresce o alcance das pessoas que escutam e se envolvem em sua cultura. Os jovens e crianças de Fiji foram fortemente influenciados pela música norte-americana e britânica e, pouco a pouco, perderam o apreço pela cultura local. Artistas como Laisa Vulakoro, Voqa Ni Delai Dokidoki e Rosiloa devolvem aos fijianos seu orgulho com canções que parecem internacionais, mas têm sabor local. Os mais experientes mostram que, mesmo com o passar do tempo, é preciso ter paixão por inovar e desenvolver criatividade. Os músicos encorajam a crença pela cultura e fazem com que novas gerações possam entender: o mundo é também um pouco fijiano. A superfície azul no Pacífico é profunda e fala a língua do Mundo. As ilhas são remotas, apenas para quem não as conhece.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).


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